10 de setembro de 2020
O ar está rarefeito. Uma sensação!
O mundo está na rua, como antes do covid quando se respirava, sem perceber. Respirava-se inconsciente. Hoje ele passou a sufocante, o pulmão nos recordando, a cada respiração, que pode parar de um segundo para o outro ou uma parte dele ser abocanhado por algo que “está no ar”. Está tão estranho viver, ser vivente, ter sobrevivido a um pesadelo!
Fui ao supermercado, cheio, e vi olhares desconfiados, assustados, preocupados, sem brilho, sem riso de pessoa a pessoa, caso um carrinho esbarrasse no outro. Senti-me como se todos que ali se encontravam, vivessem em uma ilha sem saída, a água que deveria existir em volta secou e virou uma massa cinza pedregosa. Quente, sufocante. Eu me encontrava em um supermercado de outro planeta! Uma sensação extremamente desagradável.
Os meus olhos devem exprimir o mesmo que descrevo ter observado nos outros. Não reconhecia as pessoas como seres humanos, mesmo aqueles quem eu conhecia de longa data como os caixas, os entregadores e o gerente. Como explicar? Esta mesma sensação me persegue nas calçadas; o ar do bairro, da minha rua, mudou. Paira um retraimento enrijecido: o medo! Uma congestão respiratória envolvendo todos nós. Não gosto desse sentir. Ele me perturba, inconfortável.
Talvez tenha lido demais livros sobre ficção científica, ou me deixei influenciar por filmes de terror; sou supersticiosa e medrosa e deixo a dúvida tomar conta de mim sobre tudo que é inexplicável.
Acompanhei fascinada a vida nas outras galáxias desde o primeiro seriado do dr. Spock – aquele das orelhas empinadas como o cachorro doberman depois que as operam para ficarem definitivamente em pé como que sempre alertas, um sacrilégio. O Dr. Spock era aquele astronauta com uma franja ridícula e cara comprida, mais inteligente que os seus companheiros de aeronave espacial. Depois dele quantos filmes e história em quadrinhos não passaram a fazer parte da realidade? Da minha, com certeza! Tendo acompanhado todos os filmes interplanetários, tanto para crianças, adolescentes e adultos – exceto dos super-heróis ridículos porque voam – tornei-me sensível a tudo que possa vir a ser verossímil em matéria de seres humanos e suas viagens fora da nossa galáxia. Amei principalmente o Planeta dos Macacos quando, ao final, a estátua da liberdade se desmancha no oceano. Já avó, persegui o Guerra nas Estrelas, (na verdade apaixonei-me pelo genial criador). Para mim sintomático destes novos tempos é ter-se produzido tantos filmes recentes com atores conhecidos em suas naves perigosamente aventurosas, explorando o universo sideral, lutando contra monstros com escamas, de um olho só, munidos com armas prontos para matar. Humanos já não pisaram na Lua?
Como nossos jovens poderão distinguir ficção e realidade, não só por reinar confusão entre estes dois mundos, mas obrigados, aqui na prosaica Terra, a usar máscaras para se protegerem de um vírus assassino?
Voltando a minha ida ao supermercado. Saindo de lá, sorri ao me lembrar do seriado Jeannie é um gênio. A Jenny, com um movimento do seu rabo de cavalo loiro, conseguia, magicamente, transformar pessoas em ETs. Deixei de sorrir ao lembrar da última falsa informação alardeando haver pessoas acreditando ser a terra plana. Esta última imagem rechacei, pois me senti tão estranha que seria capaz de acreditar ser isso verdade!
Todas estas imagens chegaram à minha mente no afã de encontrar uma compreensão plausível para a minha sensação de estranheza. Com certeza estamos ainda confusos e necessitando de justificativas para entender este momento que não passa pela ficção científica, é real: ainda estamos ligados pulmonarmente a um vírus perigoso e letal. Não afirmo, mas creio necessário ficarmos alertas em relação à realidade, reconhecê-la, apalpá-la, voltar a senti-la como era antes; presencial e não mais apenas virtual.
Concluindo: no supermercado nada mudou, nem o lugar da abobrinha, mas a sensação é que tudo está diferente e eu não sei o que é e nem por quê. Pergunto-me em dúvida: será que a ficção embaralha o meu bom senso ou a pandemia, como dizem, irá mudar muita coisa? Sei que o mal-estar não foi ficção e me assustei comigo mesma ao sentir o ar rarefeito, pessoas ali se abastecendo como sempre, presas a uma respiração não cotidiana, natural e inconsciente.
Leio muito o jornal sobre informações da pandemia. Não sobre quantos morreram ou foram infectados. Não está mais interessando!
Ainda aprecio demais ler papel escrito. A internet cansa e dá trabalho ao ter que o tempo todo des-escolher, jogar na figurinha lixo, tanto lixo, lixo que não acaba mais. Isso sim afasta-me da realidade que acontece dentro de mim mesma. As colunas dos jornais são escritas por gente inteligente. Podemos concordar ou não, mas trazem informações novas, refletidas, críticas. Os bons textos, daqui ou do exterior, têm começo, meio e fim. (O Brasil tem cabeças pensantes extraordinariamente cultas e muito bem formadas). Assim sendo, tenho realizado – e acreditado – no que estas cabeças andam deduzindo, colocando como hipóteses e ou afirmações, sobre as mudanças que o vírus teria trazido.
Uma delas é a reinvenção de profissões daqueles que não desistiram de produzir durante a pandemia. Outra, a discussão sobre o home office e suas ainda desconhecidas consequências. As transformações de comportamento durante a pandemia e a permanência dos novos hábitos, a dependência absoluta da tecnologia como afirmam filósofos, pedagogos, sociólogos e psicólogos preocupados com o futuro da humanidade até aqui já debulhada e comparada através da História dos séculos anteriores. Além destes profissionais, artistas, escritores, performadores expondo-se em lives debatendo – justamente as mudanças de hábitos, professores ensinando à distância jovens desinteressados em saber qualquer coisa relacionada ao passado, seja na escola seja no computador.
Enfim, minha percepção é que o mundo mudou mais em sessenta dias do que em 60 anos e soluções para os conflitos humanos gerados pela pandemia já estão a caminho. O antigo/normal sobreviverá: guerras, traições, vingança, violência, desigualdade e inserção social sobretudo. O Ser Humano é lento, ganancioso e egoísta, resistente às transformações perceptíveis. Mas, quero crer, que o melhor trazido pela pandemia pode estar evidente e alojado nos grupos sociais que se destacaram por sua precariedade de vida. Ocorreu uma espécie de consciência da individualidade no seio do coletivo, formada por pessoas menos crentes em relação aos vendedores de ilusões.
A contingência foi real demais para todos! O vírus nos levou ao estado primitivo, ao essencial, às necessidades do OUTRO.
Assim espero. Assim torço. Assim quero contribuir.
Abraço, Bettina
Bom dia,Bettina!!
Belo texto!! Adorei. Vc nis leva à reflexão,sobre vários aspectos,de “novo normal”. Expôs seus medos,suas experiências…o mundo ainda não evoluiu. A Pandemia não passou. Muita gente subestimando o perigo do contágio,em nome do dinheiro,da vida de antes…até parece,que era melhor. Estamos sofrendo as consequências,que a minoria implantou,diante desse vírus,em Detran de grande parte dos seres humanos. Infelizmente, sofreremos todas as consequências. De algum modo, também contribuímos,para o estado atual. O importante,muitos Cl também,fizeram dessa situação,uma oportunidade.
Grande abraço. Comungo com você,esse sentimento de perda,dos grandes dias e que, só demos conta,do quanto foram bons. Mas,temos que acreditar que tudo vai passar!!
Tenho dito!!🌹
Muito obrigado Goris,
sempre começo respondendo ,para quem me lê, e principalmente retorna com comentário,
o quanto tal atitude é importante não só para mim, mas para todos aqueles que escrevem.
É um incentivo para continuar!
Sim, compartilhamos a mesma opinião apesar que a cada dia estamos mais longe da lógica pandêmica.
Dados são insuficientes e contraditórios, nacional e internacionalmente idem. Aqui novas eleições
portanto o covid passou para a “segunda mão”: não está mais interessando mesmo pq ninguém mais está preocupado.
Hoje em dia os assuntos morrem do dia para noite pois tantos aparentam ser mais importantes, pontuais. O não seguimento
dos assuntos, as vezes, neste momento, até mais importantes, aparecem um dia, espera-se a continuação e nada mais se fica
sabendo.Muito comum em assuntos políticos.
Como v. diz, mais do que vai passar (o Covid) eu assim também creio, – até o momento que ouviremos quais foram as consequências na saúde das pessoas, resultado das vacinas , mas só o tempo poderá nos informar. Eu acredito no Tempo Rei para que ele nos surpreenda. Concordo contigo que a irresponsabilidade, talvez civilidade, falte um tanto, não só aqui mas no mundo. MAs este, caro leitor Goris, é uma outra história.
Mais uma vez, agradecida e um abraço. Leia talvez outros textos do site embaixo de ESCRITOS. Talvez v também aprove… ou conteste pois responderei a ambos os casos.
Bettina