30 de setembro ode 2020
Depois da comprovação para o mundo – e para cada um de nós – da nossa assombrosa fragilidade aqui neste planeta, é hora deste texto ser o penúltimo da série “meu diário”, escrita ao longo de cinco meses. Apesar de intitulado “diário da pandemia”, os 30 textos não foram escritos diariamente.
Os dias transcorriam similares, com imperceptíveis mudanças, e foi assim que busquei percebê-los, registrando o que poderia estar ocorrendo dentro de nós, cadenciadamente.
O dia do término chegou, não por uma indicação clara, mas um decreto público, “do povo”. Decretamos seu fim! Os protocolos hoje exercidos são pantomimas comerciais para que possamos voltar a viver e a economia girar. Uma reação normal e compreensível, apesar de o medo de contágio sobreviver firmemente instalado nos vãos dos encontros pessoais e nas prateleiras dos produtos a serem comercializados.
Decretei o final também! Embora com resguardo, nada mais tenho a contar em relação à pandemia. Isso pode indicar o esquecimento e o nada apreendido ou a vida voltando ao antigo/normal.
O novo/normal, se houver, deixarei para cientistas, intelectuais e pesquisadores do comportamento apresentarem suas teorias.
Um tema mais pernicioso porque perene é a realidade levantada pelo documentário sobre as redes sociais (Netflix). Realidades que convivem estreitamente conosco embora não tivéssemos a consciência de como agiam sobre nossa alma, corações, sentimentos.
Os criadores das plataformas como a conhecemos, (Google, Face, Instagram etc.), ajoelham-se perante nós, usuários, e fazem o seu mea culpa por nos terem colocado no caminho irreversível da robotização e controle do nosso pensamento ademais às capacidades que nos definem como seres humanos. (A palavra usuário, até aqui, definia o adepto das drogas. Hoje somos assim identificados, viciados na droga do computador, escravizados pela informação).
Dizem que o mundo não é mais o mesmo… de antigamente. Não é e nunca voltará a sê-lo, a não ser que um vírus infinitamente mais virulento do que o Covid leve com ele a população do mundo e todos os sistemas computadorizados, decretando a falência absoluta da ciência de nos tornarmos imortais. Sobraria, mais uma vez, a realidade ainda mais absoluta, crua e nua da fragilidade do Homem. Começaríamos tudo novamente, comunicando-nos por desenhos pintados nas cavernas.
Não podemos deixar de reconhecer que facilidades aparentes surgem a cada dia, devido à simplificação diária de nossas obrigações civis e prosaicas. Agora basta colocar o cartão de crédito junto à maquineta para que ela aprove o saque até cem reais, sem precisar de senha. Isso quer dizer que se roubado, o ladrão poderá usar meu cartão até o limite de cem reais, perfazendo umas doses de pinga, de sanduiches, uns cracks ou, se inserir umas cinco vezes, pagar o seu aluguel. Acredito que novas facilidades surgirão nos escravizando. Vitaliciamente, estaremos ligados à uma máquina provida de dessensibilizadores que cada dia, nos esvaziarão dos pensamentos próprios e suas contradições. Adeus poesia, romance, literatura. Adeus laços afetivos, abraços com tapinha nas costas, beijinho nas faces.
A pergunta é:
Considerando o avanço desenfreado da tecnologia, em que, como e onde nossa vida seria diferente, no futuro, dessa que experimentamos durante a pandemia?
Vivemos nesses últimos meses de cuidados extremos com nosso corpo e alimentos. Vivemos – sós ou confinados com outras pessoas dentro de nossas residências – dúvidas e incertezas sobre o dia seguinte atormentados do dia anterior. Nossa liberdade de ir e vir tolhida por decretos passiveis de serem desobedecidos. Escolhas feitas corriam por nossa conta e risco. Nossa salvação para nos manter lúcidos e ligados à realidade do confinamento, o nosso computador.
Portanto, aparentemente, em nada mudará o nosso futuro salvo em três palavrinhas hoje tomadas como garantidas, absolutas e adquiridas. Tolhidas durante a pandemia, sabíamos serem palavras passageiras causadas por uma contingência, também ela passageira.
O futuro, contudo, indica que nos resumiremos à mesma tela 3X4 fornecedora de todas as nossas necessidades primárias, físicas e emocionais, porém em prejuízo ao sentido da:
1 – Liberdade. Seremos manipulados como são os bonecos de madeira dependurados em cordinhas, (Pinóquios) mudo o grilo falante (a consciência) nos assoprando:
2 – Escolhas. Sem mais dúvidas a resolver, argumentos para contrapor, e pior, sem direitos a reivindicar nossa:
3 – Individualidade. O incomum em nós!
Nossos desejos serão imediatamente realizados porque conhecidos antes de nós mesmos tê-los sonhado. Todos nossos segredos serão simplificados e classificados por cores e números; pequenos e grandes defeitos ajustados à nossa personalidade e temperamento.
A inequívoca tecnologia, sem fronteiras que a barre em seu caminho progressivo, roubará tudo de nós! Roubará a responsabilidade por nossos atos, pensamentos, ações e assim, roubará de nós a liberdade de sermos quem escolhemos Ser, construtores do nosso próprio destino.