6 de junho de 2020
Hoje vou tentar elencar alguns novos hábitos, bons e maus, que se instalaram em meu exercício diário de sobrevivência , neste já tão longo tempo “proibida” de ter contato com o mundo real. Fico de 5 a 8 horas em frente da tela ouvindo, escrevendo, enviando mensagens, sem o contato com pessoas de carne e osso como eu, a solidão presente. Nestes dias de frio, embrulhada com mantas e agasalhos, quando as imagens e vozes congelam e se perde o fio da meada, sinto-me tão isolada do mundo real como um aventureiro no Polo Norte na vastidão imensa, branca, imersa na noite eterna.
Na internet falta Vida!
Mas no espaço da minha casa tenho me surpreendido percebendo como é fácil adquirir bons e maus hábitos, conforme as circunstâncias em que se está vivendo!
Aliás, assisti na Netflix, um filme, simples, repleto de imprevistos e ação, um filme para jovens que gostam de cachorros e natureza. O título “O Chamado da Floresta”, com o ator do filme “Indiana Jones”. Como o tempo passa para todos nós, ele está velho e nunca foi um ator excepcional, a meu ver, mas o filme vem a calhar nesse momento de isolamento e chamados conscientes ou não que vivem dentro de nós.
Não vou dar o spoiler e contar o filme, mas, repito, vale a pena ver por que até um cachorro (maravilhoso) encontra, depois de tantas aventuras, seu lugar no mundo. Nós, seres humanos, buscamos, continuamente o nosso. Burck, o cachorro, tem seu chamado na Natureza, o nosso é da Cidade, no convívio entre seres humanos, diferente de Burck, mas o apelo é igual: ambos procuramos o nosso ESTAR e, certamente, não será só dentro de nossas casas. Às vezes me ocorre pensar em prisão, mas esta pandemia em nada se compara com uma prisão de verdade. Será um cativeiro? Soldados presos? Não cometemos nenhum mal? Mas como não podemos aprisionar o vírus, vamos esquecer o assunto!
Voltando, prometi enumerar meus novos hábitos, alguns bem-vindos, outros nada desejáveis, terei que vencê-los para não se perpetuarem.
1- Tornou-se hábito, ao lavar a louça, quando a água fria escorre entre minha mão e dedos, ter vontade de assobiar. Sinto-me feliz. (lembram quando tivemos que poupar água porque não havia chovido o suficiente para encher os reservatórios? Uma benção, nesse momento, termos água à vontade. Um sacrifício a menos, uma alegria a mais!
2- Tornou-se hábito, ao “sentir” a água, ficar feliz, mesmo quando preciso limpar os dejetos da minha querida labradora de 15 anos que não consigo mais levar para passear porque está paralítica. Não me incomodo e espero ter que fazer este serviço por muito tempo ainda. Neste momento vírus, soube o quanto necessitamos uma da outra. Mudei o computador de lugar para ficar perto da Lola , para que não se esforce ao arrastar-se até o escritório. Seu lugar preferido, claro, a cozinha.
Perdê-la seria um vazio. Não se repõe vazios. Trocamos com outros preenchimentos. Ela sempre será insubstituível no meu coração, como um filho não substitui outro.
3- Tornou-se hábito perguntar-me se tomei banho ontem. Este período esquisito que vivemos nos deixa confusos. Sempre pensando nos momentos felizes que a água proporciona, com qual frequência estamos tomando banho? Continua o hábito de AV (todo dia) ou tornou-se hábito pular um dia para tomar banho no seguinte?
4- Tornou-se hábito falar sozinha. Maneira de dizer. Converso com Lola sobre os ingredientes que uso nos pratos que cozinho, comento as bobagens e acertos que fiz durante o dia, compras que precisam ser feitas. Quando leio o jornal, ela olha para mim assustada com os palavrões que aprendi com o nosso presidente, e à noite, não sei porque, me pego conversando com a Lola em francês.
5- Tornou-se um péssimo hábito assistir séries de uma enfiada. A curiosidade do próximo capítulo leva-me a ir para a cama altas horas da madrugada e consequentemente a levantar tarde, o que encurta o dia do mau humor, o medo predominante e tantos transtornos por conta do covid (e pior, pode leva à indesejável insônia). Este mau hábito atrapalha as refeições e os remédios que têm hora certa para serem tomados e parecem multiplicar as questões pessoais de todos nós.
6- Tornou-se um hábito olhar pela janela não mais para saber qual o tempo lá fora e vestir-me de acordo como AV. Durante o dia inspeciono e meço o movimento e avalio quantas pessoas são obedientes e quantas não. Durante estes dias da quarentena o cenário muda conforme os números – verdadeiros ou não de atingidos pela doença – e fui chegando à conclusão, no meu gráfico sempre ascendente , que as pessoas tendem à desobediência , não atuam segundo critério próprio quando recebem informações desencontradas que , na verdade, deveriam nos guiar com segurança através desta contingência que nos açoita.
7- Tornou-se bom e desejável hábito, não ter ido ao médico, não ter feito exames de laboratório, não telefonar pedindo socorro ao especialista. Porque isso ocorreu não faço a menor ideia. Uma contradição absurda: no meio de tanto sofrimento , ansiedade e angústia frente a uma doença que pode levar à morte, não estamos visitando os médicos para nos queixar dos dodóis aqui e acolá ou de sintomas que achamos sérios e que, depois de uma dezena de exames provam que não temos nenhuma anomalia a não ser aquelas que já conhecemos. De todos os novos hábitos adquiridos este é o que me deixa mais atônita. Pergunto-me se não sou uma hipocondríaca inveterada?
8- Um hábito que estou amando: a distância tem criado saudades e lembranças do tempo onde eu era feliz e não sabia. Perceber o quanto já fui feliz, tornou- me muito feliz nesse refúgio obrigatório.
9- Tornou-se um hábito ser muito mais preguiçosa do que AV. Esta observação levou-me a refletir sobre o porquê deste estado mais letárgico, mais introspectivo e este nono item leva-me ao décimo que segue:
Existem muitos outros hábitos dentro de mim que não me dei conta. No cotidiano AV estávamos habituados a atuar no automático. Mudanças e ou transformações dão trabalho e muitas vezes prefiro não dar ouvidos ao mal-estar que fala lá dentro e não tento substituir por outros hábitos. Nessa pandemia ficou mais premente a observação dos nossos confortos e desconfortos, e quem sabe, conseguiremos “mudar” o patamar de expectativas e pretensões do que denominamos, simplesmente, felicidade.
É um desejo …. que desejo para todos nós.
afetuosamente,
Boa noite, bom dia, boa tarde,
sempre
bettina