Transcrição
REDESCOBRINDO A AFETIVIDADE DO SER HUMANO NA EMPRESA
Bettina Lenci
31/agosto/1994
I. Colocando a questão
Cabe-me aqui tratar da afetividade do ser humano na empresa. Agradeço, e muito, a oportunidade de participar deste evento e a atenção dos senhores. Admiro, e desejo começar por expressá-lo, a iniciativa daqueles que aqui incluem temas tão relevantes, incentivando nossas trocas mútuas e nossas possibilidades de desenvolvimento.
Tenho algumas convicções que há muitos anos venho desenvolvendo e que decorrem muito mais da minha experiência pessoal como ser humano do que propriamente das minhas aprendizagens racionais e objetivas como empresária. Uma dessas convicções, de fato, é a de que a afetividade não só deve ser redescoberta pelos empresários e administradores como também chegou a hora de fazermos isso com urgência. Sem dúvida acredito nisso e começo por declarar. O que pretendo é explicar por que.
Em maior ou menor grau, a geração de 40 a 45, à qual pertenço, foi educada dentro de moldes e preceitos bastante rígidos no que tange à manifestação dos nossos sentimentos. Como tantos aqui, eu também aprendi a temer o que sentia, também aprendi a ver nos sentimentos muito mais uma fonte de problemas do que de soluções. Também aprendi a evitar perceber claramente o que sentia a cada pequeno instante, também aprendi a valorizar a racionalidade como a maior conquista do ser humano.
Sempre tivemos regras morais de como nos conduzir perante o amor paterno, materno, fraterno, o namoro, o casamento, as relações sociais no trabalho. Vivemos a revolução dos anos 70 e ficamos perdidos, sem saber como nos comportar frente a liberdade de expressão proposta pela teoria do “paz e amor”, “flower power” e amor livre. Por um lado perdíamos nossos pontos de referência e por outro éramos tragados pela sedução da liberdade sem medo. Dividida, esta geração, acredito ainda, não conseguiu encontrar o seu ponto de equilíbrio, apesar da busca intensa e muitas vezes dolorosa, visto que esta revolução aconteceu para nós quando já éramos praticamente adultos, com responsabilidades sociais e familiares assumidas. Em parte nossa geração foi atrás de explicações para tais conflitos interno através de psicoterapias, buscando no inconsciente a razão de tais sofrimentos. Também fui. E acredito que tais buscas ajudaram-me a fazer descobertas que desejo narrar. Uma delas é a descoberta da afetividade.
Estamos assim aqui reunidos para refletirmos juntos sobre uma questão que considero essencial:
A afetividade é matéria de trato profissional no contexto empresarial?
Independente das muitas definições que podemos dar à palavra “afetividade”, desde essa mera pieguice emocional que tanto o racionalismo desprezou, até essa grande virtude humana, criadora dos bons sentimentos que conferem significado às nossas vidas, eu creio que poderia iniciar essa reflexão com uma resposta bastante direta e simples:
A resposta é sim! Eu creio firmemente, e aqui estou para dizê-lo aos senhores, que a afetividade, cada vez mais, é um fato humano absolutamente importante de ser levado em consideração como matéria de atenção profissional dentro de todas as empresas que pretendam florescer e frutificar em nossa época. Época essa que, segundo acredito, estamos construindo juntos no momento em que nos dispomos a um encontro como este. Na verdade e no fundo, o simples fato de estar falando aos senhores sobre um tal assunto, e recebendo tanta atenção, já é prova de uma tácita percepção comum. Não desejo no entanto mantê-la tácita, desejo tomá-la expressa.
Mas, sempre segue-se a uma tal afirmativa: — “Sim, acho que a afetividade é importante!” — Uma pergunta esperada: Por que? Por que afetividade é importante e por que é importante tratá-la com seriedade na empresa?
Em primeiro lugar, a afetividade é importante porque foi e porque é impossível construirmos relações puramente racionais entre seres humanos.
De fato, os seres humanos não são, nunca foram, e nem considero esperável que um dia venham a ser, puramente racionais. Os seres humanos, antes de serem apenas racionais, são animais afetivos. Os seres humanos, antes de sentirem apenas aquilo que a razão ordena, bem ao contrário, tendem a pensar e a justificar, pela razão, aquilo que o sentimento ordena. Mostrou a psicanálise e demonstra a observação: podemos condenar e reprimir a afetividade com regras rígidas, mas ao invés de conseguirmos com isso seres humanos mais criativos, produtivos e civilizados, conseguimos apenas pessoas mais deprimidas, agressivas e desmotivadas.
O sonho de um racionalismo pleno, dando base a uma civilização exclusivamente baseada em regras, terminou há muito na filosofia, terminou há muito na psicologia e terminou na religião. Nenhum cientista humano acredita mais que seja possível construir relações produtivas e duradouras sem espaço para as emoções e portanto não há por que os empresários e administradores devam conservar velhas ilusões. Da minha parte — e embora compreenda a relativa tristeza do sonho racionalista desfeito — também fui levada pela evidência psicanalítica, pela absoluta necessidade social da compreensão, à mesma conclusão de tantos. O racionalismo não nos levou, nem nos levaria, a nada. Somos afetivos sim! Não dá para não ser! E portanto, sob pena de grande atraso, precisamos começar a considerar tal realidade dentro das nossas empresas. Ao invés de um fracasso do racionalismo, convido-os a partir de agora a considerar a natureza humana como uma vitória da afetividade.
Mas além de acreditar que a afetividade é importante simplesmente porque não nos é permitido ignorá-la, creio que, devidamente considerada, a afetividade pode perfeitamente auxiliar o empresário a melhorar a produtividade, a criatividade, a motivação e o bem estar de seus colaboradores.
Um ser humano que se sente afetivamente considerado, não tenham dúvidas, desenvolve-se muito mais do que outro, que baseia suas relações de trabalho em regras cristalizadas e muitas vezes falsas. A afetividade é importante, portanto, porque a afetividade é gostosa, é importante porque é necessária, é importante porque pode ser a diferença entre a empresa relacionar-se com uma pessoa integral e com uma pessoa parcial.
Gostaria, assim, de acrescentar que a consideração da realidade afetiva no ambiente profissional não é nem concessão moral, nem concessão política. Não deve ser vista como concessão porque não é concessão. Não se trata de parecer “bonzinho” e criar espaço para um funcionário dizer que está com medo ou com raiva. Bem ao contrário, trata-se da admissão, plena e inteligente, de um grande aspecto da intimidade humana: além de racionais, as pessoas são afetivas.
II. Expondo o método:
Pois bem, delineada a matéria e esboçada a natureza geral da contribuição que pretendo trazer aos senhores, eu gostaria de expor a maneira como pretendo fazê-lo, gostaria de expor o método, a maneira de pensar, a óptica, que considero mais adequada para tratar tal assunto entre nós.
Digamos que temos basicamente dois métodos. O primeiro, que eu poderia chamar de “objetivo e racional”, e um segundo que eu poderia apontar como “irracional e subjetivo”.
Se pretendesse um discurso do primeiro tipo, racional e objetivo, certamente deveria trazer aos senhores, neste encontro, uma série de dados numéricos demonstrando a melhoria de produtividade e rentabilidade nos balanços financeiros de empresas que se preocupam com a afetividade. Mas aqui reside aquilo de mais importante que tenho a dizer. Não trago aos senhores minhas convicções como conclusões. Minhas afirmativas a favor de se tratar seriamente a afetividade nas relações de trabalho não são de natureza conclusiva. Eu não tenho conclusões, eu tenho pressupostos. Pressupostos, e não conclusões, eis a diferença! Eu não cheguei à conclusão, racional e objetiva, de que a afetividade é importante. Eu parti do pressuposto subjetivo de que considerá-la é, sim, muito importante. Eu não tenho números, tenho convicções! Não são os números que me levaram a convicções. Ao contrário, são as convicções que haverão de levar-me aos números. A verdade, para mim mais importante, é que eu tenho partido do pressuposto, para mim evidente, que a afetividade constitue uma parcela tão importante da natureza humana que nunca poderia ter sido tão ignorada quanto foi. Nem na família, nem na escola, nem na empresa. Parti de uma premissa para mim evidente e tenho trilhado um caminho satisfatório. Mas este caminho está em curso. A nossa empresa tem acreditado nisso e tem sido bom. No entanto — eis o principal alerta do meu método — não se trata de algo que se possa medir num primeiro momento com instrumentos racionais e objetivos. Trata-se de um trabalho no qual é necessário que a solidez dos pressupostos sustente o esforço necessário para uma difícil e desejável transformação.
III. Opinando.
Mas, — já posta a questão, respondida em esboço geral e esclarecido meu método de orientação, — acho que não devemos falar em afetividade sem ao menos definir o que entendemos por isso. O que é, afinal de contas, afetividade? O que quer dizer essa simples palavra que tantos de nós usam de tantas formas distintas em diferentes contextos?
Quero poupá-los de ouvir definições alternativas. São muitas. Prefiro expor nossa própria definição de afetividade. Esclarecer de maneira sucinta e simples, embora profunda, o que entendemos por afetividade e sugerir como deve ser conceituada a palavra afetividade no contexto empresarial.
Afetividade é o movimento dos sentimentos no interior da nossa mente! Afetividade não é um sentimento bom, afetividade não é um sentimento ruim, afetividade não é nem mesmo um sentimento. Afetividade é um movimento! Ela se refere a como determinadas coisas íntimas se deslocam, se transformam, essas coisas íntimas são os sentimentos. Afetividade é portanto um movimento, afetividade é um processo. Ela é o processo no qual sentimentos aparecem, mudam e desaparecem. Afetividade é berço de sentimentos, é escola de sentimentos e é também morte de sentimentos. Repetindo para que não fiquem dúvidas, afetividade é movimento, é mudança, é transformação de sentimentos.
E quem dirá que um tal processo não é essencial no contexto de trabalho se, na verdade, ele está no substrato de todas as nossas motivações? De todas as nossas relações? Quem aqui poderia negar que assistir, em si mesmo, o nascer de um sentimento positivo, de amizade, alegria e construtividade, não é motivo de grande orgulho e deve ser expresso? Quem aqui poderia negar o quanto nos envergonha, atemoriza ou irrita, assistirmos dentro de nós o aparecimento e a permanência de sentimentos ruins que não vão embora, como o medo, a raiva ou a inveja, e que para tais coisas precisamos ocasionalmente de ajuda? E, finalmente, quem poderia negar que tais sentimentos, ao se moverem, influem em muito, e mesmo determinam, o sucesso e o fracasso de nossos projetos e mesmo da nossa vida?
Mas vejamos quais as características essenciais deste movimento íntimo a que chamamos afetividade. É um movimento sim, mas com que características próprias?
Antes de tudo, bem diferente do nosso pensamento, a afetividade é um movimento apenas parcialmente controlável pelas regras da razão. Enquanto experimentamos uma ampla sensação de poder sobre nosso raciocínio e levamos nossos argumentos para onde queremos, um tal poder já não é tão grande no movimento afetivo. Bem ao contrário, muitas vezes experimentamos uma terrível falta de poder sobre nossas emoções. E aí está o primeiro motivo pelo qual a afetividade nos assusta como pessoas e muito mais nos assusta como empresários. Levar em conta a afetividade no contexto empresarial nos dá impressão de perda de poder. Já não estamos no controle das coisas. Os sentimentos podem fluir favoráveis ou desfavoráveis, bons ou maus, à revelia das nossas expectativas e uma tal situação nos coloca, empresários que somos, numa incoerência inicial aparentemente insolúvel, põe-nos um paradoxo porque na ordem social cabe ao empresário, ao administrador, exercer o poder. Para exercê-lo ele deve desenvolvê-lo. Desenvolver e conservar o poder mesmo tendo uma dinâmica de sentimentos, uma afetividade, que nem sempre segue um curso controlável ou mesmo previsível. Eis o drama de quem manda, o paradoxo essencial do administrador da nossa época: ao mesmo tempo o empresário quer e deve desenvolver poder, a sociedade espera dele exatamente isso, mas no entanto ele também percebe que deve considerar o movimento dos sentimentos, pois estes, se reprimidos ou desconsiderados, podem destruir as relações de poder.
As soluções históricas para uma tal questão foram:
1. Reprimir a afetividade. Negar o movimento dos sentimentos dentro do homem e tentar construir relações de trabalho exclusivamente baseadas em regras racionais de conduta.
2. Liberar a afetividade. Incentivar a expressão dos sentimentos nas relações de trabalho e perder-se na confusão e na decadência das relações que uma tal atitude geralmente provoca.
Hoje, no entanto, podemos divisar uma nova forma. Essa nova forma consiste em criar espaços adequados para a expressão e conscientização dos movimentos afetivos em todos os contextos da nossa vida: família, sociedade e empresa.
— Mas como fazer isso? — perguntamos logo.
Como descobrir esse “caminho do meio”, nem repressão cristalizadora e mortal, nem liberação desorganizada, esse caminho que poderá levar-nos a um equilíbrio novo e construtivo?
1. Em primeiro lugar podemos trilhar esse caminho admitindo como verdade definitiva que a afetividade é uma realidade humana impossível de ser reprimida. Os sentimentos sempre querem, e devem poder, mover-se dentro de nós. Os sentimentos ocasionalmente querem e necessitam expressar-se através de nós. Queiramos racionalmente ou não, os sentimentos irão mover-se dentro de nós porque quem controla um tal fato não é nosso pensamento mas a própria natureza da vida.
2. Em segundo lugar, além de admitir a realidade afetiva dentro de nós, podemos, e creio que devemos, criar novos modelos de relações humanas que expressem e pratiquem essa aceitação. Modelos novos de relações humanas onde caiba um maior respeito pelos momentos em que estamos menos dispostos, mais irritados ou mais deprimidos.
Modelos que aprendam a considerar uma tal variabilidade, jamais para decair sob ela, mas para integrá-la como parte da realidade até hoje oculta.
Saibam, no entanto, que nem tudo são flores. Não tenham ilusões quanto às dificuldades. Embora eu, com certeza, creia que vale o esforço, criar soluções e mudar estruturas velhas é trabalhoso e dolorido. E dá tanto trabalho por que?
A resposta é simples. Porque existem dois mil anos de modelos racionais impressos em nós. Tais modelos pareciam verdades — e, num certo sentido, até mesmo foram verdades ocasionalmente — mas agora precisam mudar. Parece difícil porque herdamos uma ilusão racionalista. Mas uma tal perspectiva já chega a seus experimentos extremos e não mais frutifica. Sendo, o empresário e o administrador, também lideres da transformação social, também nós devemos sentir-nos comprometidos com auxiliar essa mudança, criando espaço para a afetividade.
Mas, caso queiramos trilhar tal caminho, quais os primeiros problemas?
1. O primeiro deles é confundir afetividade com carência afetiva.
São muito diferentes!
Como já insisti, afetividade é um movimento, é um movimento de sentimentos. Carência afetiva é a fantasia neurótica de merecer da vida um sentimento bom que, por alguma razão, a vida não dá. Carência afetiva é a ilusão de que merecemos um bom sentimento do mundo e, por algum tipo de injustiça, o mundo nos nega. A afetividade é um movimento de sentimentos. A carência afetiva é uma estagnação parcialmente racional onde não há sentimentos percebidos. A carência afetiva é uma estagnação porque a pessoa não se move e impede a si mesma de perceber seus sentimentos movendo-se dentro de si. A carência afetiva não é um sentimento, ela é um “não-sentimento”. A pessoa não reclama daquilo que ela sente. Ela reclama daquilo que ela não sente. A carência tem uma base parcialmente racional porque a pessoa reclama falta de afeto argumentando ser merecedora dele. Mas se ela fosse realmente merecedora de um tal afeto não precisaria argumentar com a vida. Porque a vida não é ladra de afeto. A vida é fonte de afeto. E nenhuma fonte precisa roubar aquilo que produz, simplesmente porque já produz.
Qualquer desenvolvimento exige algum movimento. Uma empresa deve estimular e criar espaços para pessoas que desejam mover-se. Carentes são estagnados. È se uma empresa certamente pode respeitá- los, nem sempre poderá tratá-los. Não confundam portanto projetos de consideração séria da afetividade empresarial, com projetos de instalações de clínicas psicológicas dentro das empresas. Ouçam bem atentamente! Uma empresa não é uma clínica! Uma empresa deve desenvolver-se e deve convidar cada vez mais seus colaboradores para que o façam com ela, cada vez mais integralmente e portanto cada vez mais afetivamente, mas uma empresa não deve confundir carências clínicas com projetos de desenvolvimento humano.
2. O segundo problema ao considerarmos a questão de se implantar uma mentalidade afetiva dentro da empresa é a questão de como enfrentar os sentimentos ruins.
Sentimentos como o ciúme, a raiva, a inveja e o medo intimidam o administrador porque, no fundo, ele pergunta a si mesmo se não acabará criando uma enorme confusão com isso. No fundo esse administrador, ainda imaturo, imagina que pode administrar sua empresa sem considerar tais questões. Já sabemos que não pode. A afetividade é um movimento de sentimentos. Afetividade não é cristalizar um sentimento bom dentro do peito e tentar de forma obsessiva ficar com ele eternamente. Essa é uma visão ilusória e racionalista do homem. Seres humanos têm maus sentimentos. Evidentemente não precisam, nem devem, comportar-se guiados por maus sentimentos. Mas devem sim, sempre perceber e ocasionalmente expressar maus sentimentos. Então os sentimentos mudam e construímos a afetividade, que é um movimento e nunca uma estagnação. Quando queremos que os sentimentos não mudem, quando queremos congelar em nós apenas retratos de bons sentimentos, ao invés de nos tomarmos pessoa boas nos tomamos pessoas estagnadas. Enquanto o rio corre sua água é limpa. E na água parada que surge o pântano.
Enfrentar e lidar com maus sentimentos, portanto, faz parte de qualquer programa de desenvolvimento afetivo no contexto empresarial. A dificuldade está justamente no exercício proporcionado pelos maus sentimentos. Aprender a respeitar e amar quem é apenas “bom” não é tarefa do homem realmente bom, é tarefa do homem qualquer. Considerar a afetividade humana é poder acreditar que o movimento dos sentimentos ocorre mais facilmente se os tratamos como rio, que como pântano.
3. Finalmente, o terceiro problema é o conhecido receio de se confundir profissionalismo com relações afetivas de concessões incontroláveis.
Se for bem feito, o desenvolvimento da afetividade nas relações internas de uma empresa só mexe com a questão do profissionalismo dos funcionários para melhorá-lo, não para tomá-lo a vítima infantil de uma empresa paternalista. Não acredito, e não tem sido minha experiência, que tratar amorosamente o outro impede que este deixe de conhecer seu lugar ou deixe de exercer seu trabalho com competência. Parece o contrário, e sinto-me honesta em estimular cada um dos senhores a experimentar na prática.
IV. Narrando e encerrando.
A experiência que hoje tenho dentro da minha empresa, a aplicação deste valor maior, a afetividade, passou, antes de mais nada por um processo pessoal de transformação sem o qual, acredito, teria sido impossível para mim ousar tais reflexões. Como todos, eu também vivo as frustrações que levo da empresa para casa, muitas vezes desanimada, outras insegura, pois a resistência à mudança é uma barreira sólida e centenária, construída por todos nós dentro de cada um de nós.
Hoje considero-me um ser humano que decidiu destruir uma parte dessas barreiras em si mesmo para tentar a construção de algo novo. Mas como já frisei é preciso acreditar antes de mais nada. Não trago conclusões, trago pressupostos. Mas pressupostos aos quais atribuo tanto valor íntimo que soam-me com a força de conclusões. Ainda que não possa apresentá-los aqui com a força dos gráficos, para mim são conclusões:
O incentivo planejado ao exercício da afetividade inibe a mentira, favorece relacionamentos mais transparentes, aumenta a segurança íntima e expressiva das pessoas. Estimula a criatividade nas decisões mais dramáticas, reduz o medo do ridículo nos maiores desafios, aumenta a flexibilidade, alarga horizontes individuais e aumenta a confiabilidade recíproca entre os funcionários. Nossa rotatividade diminuiu muito, percebo funcionários atentos ao bem estar do próximo e portanto uma preocupação constante em criar melhores condições de trabalho para os outros colegas.
A Translor, nossa empresa, é uma empresa de transporte. Possui entre funcionários e autônomos agregados, em redor de 1.000 pessoas. Exatamente pela diversidade de cultura e origem, tentamos colocar em prática o processo de aceitação mútua, relevando as diferenças tomando-as conhecidas e assim aprendendo a se relacionar com elas construtivamente. Nesta ação contém afetividade!
A promoção de um funcionário, sempre tão difícil quando se trata de estabelecer sobre quais valores avaliar, na nossa empresa é olhado sob a ótica afetiva, em primeiro lugar. Não privilegiamos o cargo e sim a atitude em relação ao seu desenvolvimento próprio. Incentivamos ele a perceber a promoção como um movimento em forma de espiral, a perceber que está sendo promovido porque está crescendo lateralmente e, portanto para o alto, mudando de função, de cargo ou não; recebe melhor salário não porque é melhor do que o outro e sim porque se percebe mais, porque entende que o crescimento é dele e este é infinito. Entendemos que este procedimento tem como consequência uma melhoria nos resultados do seu trabalho e assim nos da empresa.
Diriam alguns que são exemplos escassos para uma conclusão. Mas creio que a afetividade é um sistema multiplicador porque vai tecendo uma rede que realiza a todos os que dela participam. Com a maturidade nos conscientizamos que a afetividade é importantíssima na família, no clube, na sociedade. A afetividade é boa nos lugares em que mais apreciamos estar. Por que não seria boa no trabalho, se é justo o lugar em que passamos um terço da nossa vida?
Assim, acredito no que temos feito e, evidentemente, não tenho feito sozinha tudo isso. Estou certa que jamais conseguiria fazê-lo. Além da minha admiração e gratidão pelos funcionários envolvidos, devo especial tributo, e gostaria de tomá-lo público, a José Ernesto Beni Bologna, que afetivamente me ajudou a desenvolver este texto e que vem trabalhando dentro da empresa com o objetivo de criar profissionalmente o espaço para que sentimentos se movam e se exprimam e ao Carlos Eduardo Martins Lacaz que, uma vez expressos estes sentimentos, consegue, através de idéias e procedimentos, tomá-los ações concretas.
Como todos aqui, eu também acredito que nosso país necessita coisas objetivas e racionais como maior produtividade, maiores salários, melhor qualidade e menores preços. Mas descobri que essas coisas tão objetivas podem estar escondidas atrás de verdades tão subjetivas quanto o permanente movimento dos sentimentos humanos. E foi essa a descoberta que, com o melhor do meu afeto, desejei narrar aos senhores cuja atenção agradeço. Muito obrigada.
bio
Nasci em 1945, no ano em que a Segunda Guerra terminou e no dia e mês em que o mundo passou por um momento dramático de transformação.
fotos
Nos anos 60 comecei a fotografar com uma máquina emprestada do meu pai, Peter Scheier, suas fotos, hoje, expostas no Instituto Moreira Salles.
clipping
Matérias sobre minha trajetória profissional e pessoal, em publicações nacionais e estrangeiras