Materia publicada na revista Carga & Transporte, nº 90 – 1993
Nessa reportagem, como presidente da Associação Brasileira dos Transportes Internacionais (ABTI), eu não podia revelar publicamente que tinha as provas da corrupção na fronteira. Se o fizesse, alertaria os corruptos
Caminhoneiros denunciam extorsão na Argentina
Para trafegar nas estradas argentinas os caminhões brasileiros têm que pagar propinas a policiais rodoviários senão são multados a qualquer pretexto. O próprio cônsul argentino em Porto Alegre confirma a corrupção e diz já ter sido vítima dela.
Por Olides Canton
O Ministro das Relações Exteriores, Fernando Henrique Cardoso, está com a cópia de uma fita de vídeo que vai dar o que falar.
Ela foi passada ao ministro pelo ex-presidente da Associação Nacional das Empresas de Transporte Rodoviário de Cargas (NTC), Domingos Fonseca, depois de exibida durante o recente congresso dos transportadores realizado a bordo do navio Eugênio C. A fita pertence ao presidente da Federação das Empresas de Transporte de Carga do Rio Grande do Sul (Fetransul), Romeo Luft, que apresentou um trabalho no congresso sobre o futuro do Mercosul na área de transportes.
A gravação aborda propinas cobradas pelas várias polícias “camineras” da Argentina e comprova atos de suborno contra caminhões brasileiros que circulam naquele país. A gravação foi feita durante uma viagem em que várias situações de suborno a um motorista (não identificado por medida de segurança) aconteceram. Um dos destaques é quando o motorista negocia a propina a ser deixada num posto da polícia “caminera” na Rua 14, a caminho de Buenos Aires.
De 250 pesos inicialmente pedidos pelo policial (na atual cotação 1 peso vale 1 dólar), o motorista pagou apenas 20. “Esta é a realidade dos transportes no Mercosul”, afirma Luft. A denúncia é apenas o ápice de uma situação crônica que tem se agravado ultimamente. O motorista da Mercúrio Transportes Internacional (MTI), Manuel Carabotta, que viaja ao Chile semanalmente, disse a “Carga & Transporte” nunca ter visto a “caminera” das províncias argentinas achacando tanto como agora os caminhoneiros do Brasil. “Eles nos intimidam com armas pesadas”, afirma Carabotta informando que, no último dia 7 de novembro, ao levar ônibus da Marcopolo para a Feira Internacional de Santiago, recebeu proposta de ser “multado” em 200 pesos e dividir com o guarda o valor da multa. Ele não aceitou.
Numa de suas viagens ao Chile realizadas em 1992, o motorista aplicou uma peça num dos guardas que o parou para pedir dinheiro. Ele pagou mas pediu recibo para comprovar a saída do dinheiro junto à transportadora. Hoje, o recibo com carimbo e data é guardado a sete chaves pelo diretor da empresa, Gaspar Fração, que o exibe como verdadeiro troféu.
Temendo represálias aos caminhões que circulam por aquele país, no entanto, o empresário não permitiu a reprodução desse recibo para divulgação mas a reportagem de “Carga & Transporte” teve acesso a ele.
Fração, disse que, como integrante da Associação Brasileira dos Transportes Internacionais (ABTI) para a região sul do País, vai encaminhar o assunto através da sua entidade.
A presidente da ABTI, empresária Bettina Lenci – sócia da Translor -, informou que o assunto é muito delicado e que não tem provas da corrupção policial argentina.
“Sem provas não falo, diz ela. A empresária afirma que o assunto que mais preocupa a ABTI no momento é o Imposto de Circulação de Mercadorias que o governo do Rio Grande do Sul vem cobrando dos caminhões em trânsito para os países do Cone Sul.
Caminhoneiros Falam
Se a presidenta da ABTI não fala, os caminhoneiros achacados pelas “camineras” argentinas estão muito dispostos a abrir a boca. O motorista Antonio Carlos Pereira, da Transportadora Volta Redonda que leva caminhões Volvo para o Chile, diz que os policiais “pedem de tudo e colocam problemas de toda ordem nos caminhões para ver se damos dinheiro”.