“Meu olhar é de escrita”
A fotografia é para mim a representação da alma da rua, a presença do Homem no mundo, o momento captado num clicar de segundo. Até hoje, ao andar por ai, enquadro a cena na lente escondida em meus olhos. Registro o momento para depois transcrever em texto “a foto” que não tirei de fato. Daí a cronista que me tornei. Meu olhar é de escrita!
Durante a década de 60 tornei-me uma profissional com o olhar voltado para a alma humana que nasce na foto em branco e preto. Fui influenciada pelas fotos do francês Cartier Bresson, à época meu contemporâneo: ele focava pessoas comuns em cenários comuns.
Nas séries fotográficas que estão na página Imagens desde site, publico o resultado das minhas viagens. Ilustrei um Brasil interiorano, rondei São Paulo atrás de uma boa foto e nas viagens ao exterior, fotografava pessoas nos museus e nas ruas das cidades que visitava.
A fotografia acompanhou-me a vida toda. Meu pai, irmão e filho são fotógrafos.
Cada qual com um estilo e cada qual muito diferentes entre si. Meu irmão, Thomas Scheier tornou-se um produtor de áudio visuais. Fotografei por prazer e possível carreira, interrompida cedo, ao casar-me. Não voltei às máquinas e passei a incentivar meu filho, Lucas Lenci, um fotógrafo de paisagens silenciosas, com livros publicados e exposições no exterior.
Peter Scheier, meu pai, teve seu início de carreira na revista O Cruzeiro (anos 40) e depois, até meados dos anos 70, como fotografo comercial. Suas fotos residem numa gama variada de estilos entre elas foco em pessoas em seu ambiente, obras de arquitetos, hoje importantes ícones dos anos modernistas e das fábricas que nasciam do esforço paulista de seus empresários. além de reportagens históricas como a inauguração de Brasília. Seus trabalhos, hoje, estão arquivados no Instituto Moreira Salles.
Quem sabe ainda volto um dia com fotos que ilustrem meus textos, assim como fiz quando “foca” – nome dado aos jovens iniciantes na carreira do jornalismo – nas revistas Manchete e Veja nos meados dos anos 60. Continuo fotografando em viagens quando me misturo com a multidão de pessoas e seus smartphones. Nunca tirei uma selfie!
Dizem que o destino escreve o certo em linhas tortas, porém ele apresentou-se de maneira tal que deixei esta profissão para assumir a de mãe e empresária. Busco juntar passagens e sentidos vividos que possam contribuir para outras pessoas aceitarem a interrupção de projetos sonhados, acessando seus vários talentos, uma vez que ninguém tem um só, apesar de uma só vida. A frustração do “poder ter sido, mas não foi”, seria o meu caso com a fotografia, mas não sou infeliz “por não ter seguido” a profissão do meu pai, irmão e filho. Capto o documento de segundos da realidade em que transcrevo a imagem fotografada do meu olhar.