Revista Mercosul – Julho de 1993
No gargalo da fronteira
Ação conjunta entre exportadores, importadores e autoridades é o caminho mais curto para demolir as barreiras burocráticas da fronteira
Longas filas de caminhões carregados com produtos diversos, que permanecem estacionados de maneira desorganizada, durante muitas horas e até dias seguidos, à espera de liberação para prosseguir viagem. Essa situação, provocada por vários fatores – burocracia, pessoal pouco preparado para executar fiscalização rápida e eficiente, funcionários em número muito inferior ao necessário, guias não unificadas de liberação de cargas -, está se tomando relativamente freqüente na fronteira dos países dc Mercosul.
O núcleo mais conturbado é o de Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, onde em maio o panorama se tomou crítico ao extremo, em função de uma greve de fiscais, detonada por falta de pagamento de salários. Às reclamações de empresários de transporte rodoviário não são poucas, principalmente diante do crescimento do intercâmbio comercial entre Brasil e Argentina, a partir do ano passado. “Já fiquei mais de vinte dias com a carga parada nas aduanas dessa fronteira”, queixa-se Guilherme Antônio de Stefani, gerente da Perdigão Transportes.
“A situação chega a ser insustentável”, afirma Bettina Lenci, presidente da Associação Brasileira dos Transportadores Internacionais (ABTI). Ela acrescenta que o problema tem causado sérios entraves aos esforços para incrementar as transações comerciais na região. Ali, veículos que transportam cargas perecíveis e deveriam ser liberados com maior agilidade chegam a ficar retidos mais tempo em relação àqueles carregados com produtos menos sensíveis.
O emperramento das complicadas engrenagens da máquina de fiscalização de Uruguaiana se reflete, implacavelmente, na redução da marcha dos caminhões que fazem o transporte entre Brasil e Argentina, com prejuízos para ambos os lados. De acordo com empresas do setor, seriam necessárias 2,5 viagens entre os dois pontos, a cada mês, para manter as operações em níveis lucrativos. Mas, segundo as transportadoras, há algum tempo, desde o ano passado, a média é de apenas 1,5 viagem por mês. Com isso, importadores argentinos também já começam a irritar-se com a demora da entrega de suas encomendas, outro aspecto negativo para a expansão dos negócios
DESBUROCRATIZAR
Se os usuários desse ineficiente sistema de fiscalização têm o direito de reclamar, certamente essa não é, no entanto, a forma mais indicada para tentar resolver ou amenizar o problema. Mais produtivo seria buscar e propor soluções, debatendo-as com autoridades, a fim de remover barreiras, um dos princípios básicos do Mercosul.
Essa é, por sinal, a linha de ação adotada pela própria ABTI (que reúne cerca de oitenta companhias de transporte de cargas e passageiros), na figura de Bettina Lenci. Na opinião da dirigente da entidade, o caso não é tão simples de solucionar, pois tem raízes profundas, que se estendem por várias direções.
Incluindo aspectos corporativos, de um lado, e de outro a caótica situação do Brasil, onde até junho os concursos para nomeação de fiscais aduaneiros estavam suspensos. Dentro da mesma ótica, a associação tem atuado em várias frentes, entre elas os ministérios dos Transportes, da Fazenda, do Planejamento e das Relações Exteriores, empenhada em uma solução global, que elimine a barreira em todos os seus alicerces.
“E fundamental que o transporte rodoviário de cargas”, sustenta a empresária, que também ocupa a presidência do conselho da Companhia Transportadora e Comercial Translor, passe a operar em regime de eficiência e livre de burocracia, o que deve ser alcançado mediante contatos e entendimentos freqüentes com as autoridades envolvidas desta ou daquela forma com o setor”.
Mas, com base em sua experiência, está convencida que isso, embora essencial, não é suficiente. “Precisamos, também, passar a pensar e agir de maneira não corporativa.
Quer dizer, devemos encarar cada uma de nossas empresas não apenas como transportadora isoladamente, mas na condição de componente de um processo de logística e distribuição. Significa, portanto, assumir as funções de operadores multimodais, aplicando nossos conhecimentos e nos responsabilizando pela coleta e entrega dos produtos, no esquema porta-a-porta, independentemente do modal utilizado”.Justamente por essas razões, assinala a presidente da ABTI, não se pode mais admitir a existência do despachante em fronteira, que o Siscomex, implantado no Brasil, torna obrigatória. “Tal figura é caricata e entravadora dos processos burocráticos. E um absurdo que os próprios transportadores tenham de procurar despachantes, intermediários para resolver e agilizar os tais trâmites burocráticos, ou seja, a incompetência e a desorganização de todos”.
Em relação à fronteira de Uruguaiana, por onde flui grande parte do comércio Brasil-Argentina, Bettina aponta, além do problema da escassez de fiscais, a incapacidade dos funcionários de aplicar corretamente as legislações dos dois países, dando lugar a várias interpretações. “Não falta legislação específica, que é até bastante funcional.”
FIM DE FEIRA?
Se a burocracia exagerada, com exigências minuciosas e de cumprimento demorado, pode ser considerada característica típica de órgãos públicos brasileiros e suas extensões, parece não ser um (mau) exemplo único dentro do novo mercado latino-americano. Pelo menos é o que se pode deduzir de um enérgico manifesto de empresários brasileiros que em maio participaram, em Buenos Aires, da Feira Internacional do Mercosul.
Em documento enviado ao embaixador do Brasil Marcos Azambuja, para que o encaminhasse a autoridades de Buenos Aires, os expositores reclamaram ter sido alvo de sistemática perseguição por parte de funcionários aduaneiros argentinos desde que haviam cruzado a fronteira. As exigências iam da imediata adaptação dos caminhões às imposições da legislação local (rebaixamento dos pára-choques, inscrições dos dois lados do chassi) à aplicação de multas “absurdamente altas”, tanto que os próprios policiais rodoviários baixaram os valores, embora sem fornecer nenhum tipo de recibo. Conforme o manifesto, também houve problemas durante a feira, quando a fiscalização foi extrema, “com um funcionário chegando a acompanhar atentamente o descarregamento de cada caixa, – contar cada volume e obrigar-nos a carregar tudo até os locais que considerava mais apropriados à inspeção”.
Taxas abusivas, cobradas por despachantes indicados por funcionários aduaneiros, e a exigência inicial do pagamento de US$ 7 mil para liberação de folhetos do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Rio de Janeiro (Sebrae-RJ) são outras reclamações que constam do documento.
Roberto Mônaco, gerente da área de incremento à produtividade do Sebrae-SP (26 empresas paulistas participaram dessa mostra multissetorial), lamenta o episódio, atribuindo-o em parte a pressões contra pequenas empresas brasileiras, que buscam um lugar no Mercosul e se esforçam para ampliar seus negócios nesse mercado.