Jornal Trabalhista Intersindical. 06 de junho de 1994
O Avesso do Avesso… (Parte I)
Fátima Taretto
Especial para o JORNAL TRABALHISTA
Com 36 anos de atividade, a Translor – Cia. Transportadora e Comercial – empresa pioneira no transporte de automóveis zero quilômetro no Brasil, encontrou o caminho para superar a crise na prática do pensamento holístico. Com uma administração dinâmica, voltada para a manutenção do equilíbrio de 3 vertentes (bons resultados, boa performance e relacionamento de potencialização mútua com seus colabora-dores), a empresa inovou em 92, com o desenvolvimento da carreta ‘Nova Era’ – uma solução logística para o transporte dos veículos de linhas mais arrojadas; e conseguiu em 93 dobrar o faturamento do ano anterior. Resultados bastante satisfatórios para uma organização que atravessou a década de 80 mergulhada num endividamento aparentemente irreversível e em vias de concordata.
A gestão holística na Translor foi acontecendo movida por uma crise global. 0 pós-Plano Cruzado mergulhara a empresa em dívidas que se ampliavam mês a mês, agravadas por problemas estruturais e operacionais, negócios mal dimensionados e um grande volume de contas a receber não cobradas por pura ineficiência. Para agravar a situação, quando Bettina Lenci – viúva e herdeira do fundador Walter Lorch – resolveu pressionar a cúpula administrativa para que lhe expusesse os números reais da situação, encontrou resistências que acabaram culminando no pedido de demissão do presidente-executivo, juntamente com 7 diretores e mais alguns
membros do staff, solidários a seus chefes.
Nessa época, Bettina já contava com o apoio de Ricardo Uchôa – economista e publicitário, e de Sérgio Bio, administrador de empresas e diretor da SBS, consultoria
empresarial. A esses talentos veio juntar-se o do homem de negócios Rubens Forbes. Apesar de parecer um despropósito associar-se a um empreendimento nas condições deficitárias da Translor, estes 4 empresários fizeram um pacto, com duração de 5 anos, para reerguê-la. Após este prazo, cada um deles poderia rever seus projetos de vida e continuar ou não com a sociedade. Segundo Bettina, o que conduzia este pacto “era uma relação profundamente heterodoxa, baseada muito mais em afinidades emocionais do que em interesses econômicos”.
“A UNIÃO DE VONTADES, REFLEXÃO E ACÃO PODE REVERTER UM QUADRO CATASTRÓFICO”
Este pensamento é de Bettina Lenci.
Apesar de minoritários, as opiniões dos outros sócios não se subordinavam às da herdeira, que hoje afirma “ter sido decisiva a igualdade de poderes na recuperação da
Translor”. Nesse clima de confiança mútua, amizade e conjunção de talentos – onde as qualidades de um complementam as deficiências do outro -, estabeleceu-se uma
administração dinâmica em que, pela primeira vez na história da empresa, não haviam especialistas em transportes. Para a empresária, “esse fato representou uma mudança-chave para a organização”.
Inspirado na afinidade do prazer pelo desafio que unia a diretoria, surgiu o embrião da nova política de RH da Translor.
Antes de fazer parte da empresa, o candidato deve responder a 3 perguntas básicas: Você é feliz? Qual é o seu projeto de vida? Como define seu próprio talento? Bettina acredita que “é na resposta a estas questões que uma parceria no trabalho passa a se desenvolver”, mas reconhece que “diante delas, o candidato costuma ficar desnorteado, pois não está acostumado a se deparar com tais indagações”.
Outro aspecto que se incorporou à seleção foi a análise do candidato a partir dos ‘3 Cês’: caráter, comportamento e do candidato a partir dos ‘3 Cês’: carátercomportamento e aproveitadas pela empresa, respectivamente para formar equipes mais harmoniosas e aliviar as tensões emocionais do ambiente.
“O QUE DESEJAMOS É ABRIR AS CABEÇAS PARA A EXISTÊNCIA DE MÚLTIPLAS VERDADES E INFINITAS POSSIBILIDADES”
Tornava-se cada vez mais claro que a recuperação da Translor passava pelo investimento nas pessoas, num processo contínuo de aperfeiçoamento. Bettina diz: “Guiada pela intuição, eu queria uma empresa com um mínimo de níveis hierárquicos, com pessoas capazes de executar diversas funções e com iniciativa para se libertar ‘das caixinhas’ do organograma, agindo com a consciência de que participam de um todo”.
Nessa empreitada a Translor contou com a colaboração do psicólogo e consultor de RH Carlos Eduardo Lacaz, cujo primeiro trabalho foi reunir numa convenção todos os gerentes das 33 filiais espalhadas pelo Brasil, gente que até então nunca tivera a oportunidade de se conhecer frente a frente.
O quadro de funcionários passou por uma profunda renovação, mantendo apenas 1 50 dos 850 que o compunham.
Outros 250 foram selecionados, de acordo com os valores do novo paradigma. Há uma preferência declarada pela admissão de jovens, uma vez que a empresa os considera mais abertos à assimilação de seus valores e mais preocupados com o autoconhecimento e a autotransformação. A idade média dos funcionários da Translor hoje é de 25 anos.
Com essa renovação do quadro, associada a um trabalho de potencialização dos empregados, a Translor reduziu seus níveis hierárquicos de 11 para 4. “Isso não significa que tenhamos descoberto fórmulas mágicas”, garante Lacaz. E prossegue: “Apenas nos dedicamos com sinceridade e sem retórica vazia ao aproveitamento do potencial de cada colaborador.”
Segundo Bettina, “esta é uma tentativa de que as pessoas se descubram a si mesmas em sua atividade profissional, conscientes de seu próximo, aptos a trabalhar em equipe, mas sem a perda da individualidade. Para mim, estas qualidades resumem o conceito de cidadania”. (Continua na próxima edição)